6.7.11

spontaneous

Confessa que a veracidade pontiaguda das minhas palavras, por vezes, te fere. Descreve até que ponto te sentes traído quando conto os meus segredos sombrios, revelo os meus amantes e os esfrego na tua cara. Descreve o quão frouxo se encontra o teu coração, descreve o quão desgostosas têm sido as tuas lágrimas. Lamenta o teu sofrimento e faz com que eu o encare, sem cobardias. Congela-me os sentidos e sacia-me as vontades. Cobre os meus desejos, para que não precise de querer mais ninguém para além de ti. Faz com que me vicie no teu sabor, nas curvas do teu corpo e nas entrelinhas das tuas falas, para que encontre, somente em ti, o meu lugar quente e seguro. Ama-me, explora-me, interroga-me, conhece-me a cada pormenor e ao mais ínfimo detalhe. Segue-me pelas ruas da nossa linda Lisboa e persegue-me nos seus avessos. Corta-me a pele, deixando cicatrizes irreversíveis e feias, revoltantes, arranca-me o coração, junto às entranhas, e guarda-o como um autêntico refém. Constrói, meticulosamente, uma vingança gelada e convidativa. Rectifica os meus erros fatais e sê drástico nas tuas atitudes. Faz algo destas minhas composições de palavras que construo por mero acaso, sem nexo. Atrás dessas palavras, eu escondo-me, como se as mesmas fossem infinitas, concretas, significativas. Por trás das cortinas em que essas palavras escorrem sem fim, oculto-me como numa escuridão imensa, dissmulo-me em festival, calo-me de repente, enquanto observo o nascer do sol e a perda de toda a inocência conquistada. Em face do crescer da natureza, em segundos, tudo se altera. A minha pele escurece, as minhas bochechas ganham um tom mais avermelhado, os ossos doem-me, corrompendo-me o corpo que não tem intenções de se ir abaixo, as forças desvanecem-se, tudo acelera, até o meu próprio batimento cardíaco. Permanece apenas no ar, límpido e fresco, a inspiração para as palavras e a capacidade de delinear as letras, que juntas formam frases, aparentemente, com sentido. A mão desenha-as automaticamente, e eu escrevo, embora não exigindo tal coisa. Não consigo pensar: escrevo, escrevo e escrevo sem parar. Palavras atrevidas, irreverentes, rebeldes, espontâneas. Ainda que saiam como se tivessem sido previamente programadas, saem semelhantes às minhas comuns palavras, como num inacreditável e perfeito milagre. As palavras estão na sua máxima plenitude. Toda esta situação me sabe bem e, após recuperar da queda, não rescrevo nada nem conto a história aos mais próximos. Na verdade, de que me serve a voz, se tudo aquilo que procuro transmitir, o faço através da escrita, natural e espontaneamente?

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