26.11.11

escolhas

No preciso instante em que inseri a chave na fechadura e a porta se abriu, senti um calafrio pelo corpo todo e o cheiro da mudança a aproximar-se. Segredos foram desvendados à força, portas arrombadas, e postais e revistas e livros atirados de caixas que o tempo nos levou a esquecer. Estava agora uma vida em família espalhada pelo chão do hall de entrada. Estavam agora partidas as louças antigas e valiosas. Estava agora, exposto aos olhos de quem entrasse primeiro, que essa mesma família tinha sido destruída numa noite de já esperado azar. Numa noite fria, numa noite de Novembro. Numa noite de muita chuva e de muitos gritos. E eu, já esperando há muito aquele cenário, assim como tantos outros seres racionais, vi-me obrigada a mudar de página. A encontrar um novo espaço para guardar os meus postais, livros e revistas. Senti necessidade de comprar uma nova caixa e de a artilhar ao meu gosto - para ser a minha caixa. E assim o fiz. E assim procurei uma nova casa - com uma outra fechadura e uma outra chave. De mala e de vida às costas, fiz-me a um caminho que não sabia qual era... ainda. Empacotei roupa velha, bijutaria e até emoção, e levei tudo comigo. Preservando as ideias e os ideais de sempre. Caminhei sem um rumo, guiando-me pelo sol brilhante da manhã (que pela primeira vez não me transmitiu esperança alguma), mas sempre com um objectivo em mente. E agora sei que me sinto menos sozinha estando sozinha do que integrada na tua família, sabes? A solidão é um conceito abstracto formado por nós e, eu agora sou feliz assim. Aprendi a sê-lo, transformando um espaço pequeno de paredes brancas e vazias num espaço meu e personalizado. 
É verdade, eu preocupei-me contigo e com o teu paradeiro e o meu coração acelerou por estar trancada ali sem ti - assim como acontece com qualquer coração de filha. Mas desde pequena que recordo os teus ensinamentos de mãe - e tantas vezes frisaste que cada um faz as suas escolhas, e que elas condicionam o nosso futuro. Agora até podes dizer-me, com a voz trémula, que a saudade te persegue - sabes que o meu coração de filha para ti se fechou e que deixou de te conseguir ouvir. Podes gritar que me amas ao Mundo inteiro - sabes que o Mundo já não te quer ouvir. Podes querer finalmente fazer papel de mãe - há um tempo certo para tudo. Tens razão quando dizes que não posso fugir nem adiar o meu regresso a casa, e digo isso porque já me deixei de sobreviver de boleias e de dormidas alheias. Mas a minha casa agora é aqui. Perdeste-me para aqui, para um verdadeiro lar em que reina o sossego, quando escolheste viver uma vida à base de violência e de medo, negando o teu e o nosso próprio bem.

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