As páginas do livro da minha vida
encontram-se amareladas, gastas, sem vida e com cheiro a mar. Têm marcas da
areia da praia e trazem memórias vivas. Memórias nossas de um passado não muito
longínquo que partilhámos e re-partilhámos, vezes sem conta. Abrimos o meu e o
teu – os nossos – livros na mesma página e revivemos a mesma história, vezes
sem conta. A magia do sentimento tornou o nosso amor numa repetição calorosa.
Encontrávamo-nos sempre na mesma
praia, no mesmo dia da semana, à mesma hora, com os corações a bater a mil à
hora da ansiedade e saudade guardadas, e dávamos um abraço apertado. Sempre ao
mesmo tempo íamos ao encontro um do outro. Sempre no tempo certo. Estávamos
juntos e encarávamos contradições fundamentadas por questões que, a nós, na
altura, nada pareciam importar. O refúgio que eram os teus braços para mim…
isso sim, era realmente importante. O mísero tempo, a distância, a idade, a
dificuldade… nada disso para nós eram obstáculos. O amor foi superior. O nosso
amor fazia-me sempre chegar a ti, sã e salva. Quando estava contigo, só eu, tu
e os nossos caprichos é que existiam verdadeiramente. Entregávamo-nos um ao
outro de corpo e alma libertos de medos, tabus e vergonhas e fazíamos juras de
um sentimento eterno. De cumplicidade eterna. Sentávamo-nos no areal nús,
desprevenidos e despreocupados a observar a espuma das ondas rebentando à beira
dos dedos dos nossos pés. Fazias com que sentisse dentro de mim um “je ne sais
quoi” de naturalidade e à vontade, provavelmente relacionada com o carinho
profundo que mostravas ter por mim, que nem eu mesma conseguia compreender.
Éramos leais. Penetravas o meu corpo com tanta beldade como penetravas a minha
mente. Com tanta eficácia como penetravas o meu coração quando te via a ir
embora. Os teus gestos eram únicos, meu amor. O modo como me fazias sorrir era
também único, e agora sei que era também exclusivo, porque esse meu jeito de
rir sem limite e monumentalmente desapareceu quando o sol se pôs e tu saíste de
junto de mim. Desapareceu quando o amor voltou as costas à repetição e o livro
se fechou irreversivelmente. Senti, pela primeira vez, a mágoa e a loucura da
solidão e passei as mãos pela face lavada em lágrimas salgadas, tais como as
gotas do mar no qual mergulhámos os dois. Lembro-me de pensar, de súbito, que
era o toque das tuas mãos que eu desejava a percorrer-me o rosto e,
essencialmente, a alma. Nesses minutos ela ficou inundada de desespero e
precisei do aconchego das tuas palavras amigas, doces e acertadas. O meu
coração precisou do teu para nos podermos completar. Os meus lábios precisaram
dos teus.
Fazes-me falta. Fazes-me falta
nas desavenças e rasteiras que a vida me vai atravessando à frente e nos
instantes mais felizes, para me dares a mão. Fazes-me falta na inocência da vida
e na dureza da morte. Fazes-me falta na vida e na morte. Fazes-me falta porque
mais ninguém preenche os meus sentidos com tanta paixão como tu sabias fazer. Fazes-me
falta como quando me sussurravas “amo-te” ao ouvido quando nos despedíamos ou
criavas um coração com os teus leves dedos. Fazes-me falta em todos os
acontecimentos que, a meus olhos, são tão vazios sem ti a meu lado. Fazes-me
falta na saúde e na doença. Fazes-me falta em dias duradouros e difíceis de
suportar. Na realidade e, até, nos sonhos. Fazes-me falta no presente, no
futuro e, até, no passado. Mas uma falta que cresce de dia para dia,
contrariamente à tua memória que atenua na minha mente de dia para dia.
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