3.4.12

mirror

Tenho corrido contra o tempo sem me aperceber que ele, para mim, para ti, para nós, tem estado parado. Nas estações de comboio, nos relógios das mesinhas de cabeceira. Notei que algo em mim sangrava e que as noites não corriam de forma tão serena como dantes mas, confesso, não senti que fosses outra vez tu. A rasgar-me a pele com gestos brutos, o coração com palavras traidoras. A penetrar o meu corpo com a mesma determinação e posse que transbordava de ti quando ainda eu era tua e ainda tu eras meu. A entrar e sair da minha vida, transformando lágrimas desprendidas em sorrisos genuínos e vice-versa. Não senti que fosses tu a magoar-me outra vez. Mas... assim que me olhei ao espelho e notei os meus lábios rebentados, os meus olhos baços e as cicatrizes na minha pele de uma cor mais encarnada, eu olhei para o lado e estavas lá. Com aquele ar tão inocente e tão culpado ao mesmo tempo. Mas... inocente fui eu quando te vi pela primeira vez e me deixei levar por algo que ainda não conhecia como amor. Inocente fui eu por te dar a minha, até então, obscura e escondida alma, e o meu puro corpo. Inocente fui eu por deixar que me estilhaçasses o coração em mil pedaços e o rosto em mil figuras e trapos. E mais inocente ainda por não saber como dividir o tempo em mil partes.

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