7.8.11

silence#3

Dizias e repetias, sempre cansado do mesmo tema de conversa: "Não confio nele."
Enquanto depositavas toda a confiança em mim, enquanto te asseguravas que as minhas palavras eram honestas e que as minhas promessas verdadeiras, tu nem desconfiavas que ele estava no meu pensamento nas alturas em que me calava e me perguntavas o porquê dos meus olhos repentinamente tristes. Estranhavas o meu ar abalado e o meu sorriso desprovido de genuidade, que se ocupava de mim sem eu poder dizer "sim" ou não", vezes sem conta (e tu sempre davas por isso). Desconhecias tu o facto de a minha mente, nesses breves instantes, se ocupar de sonhos inatingíveis e de batalhas inalcançáveis. Ele, assunto já proibido nas nossas conversas, remetia-me para outro tempo e para outro espaço, viciando-me no timbre da sua voz, nas ondas e nas linhas do seu corpo, passando o seu tempo a elogiar-me, a elevar-me o ego e a colocar-me no patamar mais alto da sua vida. Ele apaixonou-se por mim e pela estranheza da minha beleza, e eu, sem querer, sem notar, sem conseguir explicar como tal aconteceu, fui-me apaixonando também. Apaixonei-me, essencialmente, pelas suas palavras cativantes e errantes, com a simplicidade e a e autenticidade de um verdadeiro escritor. Apaixonei-me mais do que loucamente, mais do que perdidamente! Encontrei-me nele e dava por mim, todas as noites, a telefonar-lhe a fim de adormecer, mais tranquila, ao som daquelas palavras ternurentas. Acordava também todas as santas manhãs com as suas palavras serenas e, mais tarde, olhava para ele nos corredores e nos intervalos da nossa vida a dois, de surra. Mordia o lábio, ele piscava-me o olho e eu desviava logo o olhar, envergonhada. Tu, sem acompanhar nenhum destes (terríveis, agora entendo) acontecimentos, estavas cada vez mais à deriva, a observar o meu afastamento, sem conseguir fazer nada que me levasse a reaproximar-me de ti. Mesmo quando fazíamos amor e eu deslizava nas mais belas costuras do teu corpo, soltava gritos e chamamentos por engano. Era nele que eu pensava e era ele quem eu desejava! Suportavas esta minha paixão, fingindo que ela não nos afectava nem um milímetro, fingindo que toda esta situação embaraçosa te passava ao lado, fingindo nem sequer saber. No entanto, como qualquer ser humano, tu sentias.
E assim, vivi o nosso amor, dizendo, todos os dias, amar-te e, imaginando que era a ele que me dirigia quando te sussurrava ao ouvido a tal palavra consagrada. Quero com isto dizer que, (sobre)vivi ao nosso amor, enquanto desejei viver uma outra paixão. Passaram-se os segundos, os minutos, os dias e os meses, e tu nunca soubeste que naquela tarde em que te disse estar com as amigas, passei um dos melhores dias da minha, agora triste, vida, ao lado dele. Nunca me conheceste tão bem ao ponto de distinguir a minha verdade da minha mentira, a minha fidelidade da minha infidelidade (ainda que de pensamentos), a minha felicidade da minha infelicidade. Eu e ele passámos tempos e tempos a cultivar aquela paixão que enchia todos os ares sem excepção e sem dar percepção de tal, sem sabermos que um dia seriam irremediáveis todos os nossos erros. Eu e ele sonhámos e sonhámos - no sonho começa a realidade e a responsabilidade, não é verdade? Sonhámos com uma vida conjunta, sonhámos com viagens compridas e romances publicados sobre a nossa rebelde história de um possível amor. História que agora, apesar de fazer parte do passado, ainda pesa. E ainda pesa em mim a verdade que tu nunca chegaste a saber, as noites em que te disse estar a dormir e que, na verdade, passei a ouvir as suas declarações sentidas, os seus devaneios mais íntimos, o fim de tarde em que ele me trouxe até casa e me pediu para subir e entrar - no espaço da minha casa, no canto do meu quarto, na privacidade da minha vida e na fechadura do meu coração. Permiti, e não me orgulho de o admitir, permiti sem pestanejar, sem olhar a meios, sem pensar mais do que uma vez, sem pensar sequer. Permiti, mas as circustâncias não concordaram com os meus impulsos. As circunstâncias, talvez arranjadas com o destino, ou com a justiça, ou contigo, não me deixaram entregar-lhe as minhas coisas e o turbilhão demente de emoções que me confundia. Nunca soubeste das histórias, das memórias, da quantidade de sentimentos despejados em folhas de papel e de declarações proferidas. Nunca soubeste de nada, nunca conheceste os factos, mas conheceste o silêncio desconfortável que nos abrigava e, ao mesmo tempo, nos corroía. Eu adoçava sempre esse silêncio com um ou dois gestos de potencial amor, enquanto quebrava as tais promessas que já referi, também num silêncio nada cómodo.
Hoje sei que nos sonhos, que ele dizia serem inocentes, incontroláveis, começou uma história inoportuna, ainda que imaginária, seguida de muitos silêncios, para nós os dois, puramente fatais.

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